Nosso entrevistado desta edição é o Sr. David Guzmán, psicólogo de formação, experiente negociador, professor, palestrante e atual cônsul honorário do Peru em Minas Gerais. Com uma trajetória marcada por desafios internacionais, ele se destacou na mediação de conflitos complexos, sempre atuando com empatia, inteligência emocional e diplomacia. Sua vivência multifacetada reflete um profundo compromisso com a construção de pontes entre culturas e nações.
David, qual sua formação academica e Como influenciou sua carreira como negociador e o preparou para os desafios internacionais que enfrentou ao longo dos anos?
Minha trajetória acadêmica começou com a graduação em Psicologia na UFMG. Apesar de não atuar diretamente como psicólogo, os conhecimentos adquiridos durante a formação, especialmente relacionados ao comportamento humano e à resolução de conflitos, foram fundamentais para o desenvolvimento de minhas habilidades como negociador em contextos multiculturais. Posteriormente, iniciei um mestrado em Administração também na UFMG, que, embora não concluído, contribuiu para minha compreensão sobre gestão e estratégias organizacionais. Além disso, finalizei um Mestrado em Gerência para o Desenvolvimento Social na Universidade Andina Simón Bolívar (UASB) em Quito, no Equador, ampliando minha perspectiva sobre gestão de projetos sociais e o impacto das políticas públicas no desenvolvimento das comunidades.
Minha formação acadêmica teve papel crucial no preparo para os desafios internacionais que enfrentei ao longo da carreira. Ao longo de 34 anos trabalhando na Construtora Andrade Gutierrez, tive a oportunidade de viver em nove países da América Central e do Sul. Essa experiência exigiu um profundo entendimento de diferentes culturas e habilidades de negociação, tanto em questões comerciais quanto na mediação de interesses entre governos, empresas e comunidades locais. A combinação de minha base em psicologia e o foco em gestão foram essenciais para construir soluções eficazes e estabelecer relações de confiança em ambientes desafiadores.
Mudança para Belo Horizonte e Escolha pela Cidade
Minha conexão com Belo Horizonte começou em 1975, quando, aos 18 anos, participei de um programa de intercâmbio universitário entre Brasil e Peru. Na época, escolhi Belo Horizonte com a expectativa, baseada no mapa, de que a cidade fosse próxima da praia. Não tinha ideia da distância real, mas aceitei o desafio. Inicialmente, minha ideia era passar um período curto, mas acabei me apaixonando pela cidade, sua cultura vibrante, a hospitalidade mineira, a rica gastronomia, e, claro, pelo encanto das garotas mineiras. O ambiente acolhedor e a vivacidade de Belo Horizonte me conquistaram e me fizeram permanecer.
Durante minha trajetória na cidade, formei-me e iniciei minha carreira profissional. A oportunidade de ingressar na Construtora Andrade Gutierrez foi um marco decisivo, consolidando minha base em Belo Horizonte, mesmo enquanto o trabalho me levava a viver em outros países. Ainda assim, a conexão com Belo Horizonte sempre permaneceu forte. A cidade se tornou não apenas meu lar, mas também um espaço de crescimento pessoal e profissional, que me acolheu e moldou grande parte do que sou hoje.
Como foi trabalhar em diversos países pela Andrade Gutierrez? Que aprendizados você tirou ao lidar com diferentes culturas e ambientes desafiadores? Poderia compartilhar uma das histórias mais marcantes de suas negociações?
Trabalhar em diversos países pela Andrade Gutierrez foi uma experiência enriquecedora e desafiadora. Por falar fluentemente Espanhol e Português, frequentemente era designado para implantar a empresa em diferentes localidades na América Latina. Isso incluía o recrutamento e seleção de pessoal, além de gerenciar o setor de Recursos Humanos em toda a região. Meu papel exigia não apenas habilidades administrativas, mas também a capacidade de mediar conflitos complexos em ambientes multiculturais e, muitas vezes, politicamente instáveis.
Lidar com culturas tão diversas me ensinou a importância da adaptabilidade, do respeito pelas diferenças e da escuta ativa. Cada país apresentava suas próprias dinâmicas sociais, políticas e culturais, exigindo uma abordagem personalizada para estabelecer relacionamentos e resolver problemas. Essa vivência não só ampliou minha visão de mundo, como também me permitiu desenvolver estratégias eficazes para mediar conflitos e conduzir negociações em contextos desafiadores.
Negociações Complexas e Situações de Fronteira: Estratégias e Habilidades
Ao longo da minha trajetória, enfrentei diversas situações que exigiram negociações delicadas e, muitas vezes, envolvendo vidas humanas. Entre as experiências mais marcantes, está a negociação do sequestro de dois engenheiros pela guerrilha das FARC na Colômbia. Foi um momento extremamente tenso, em que precisei aliar a inteligência emocional com a capacidade de manter a calma e buscar soluções rápidas sob pressão. Na Bolívia, vivi uma situação em que fomos feitos reféns, o que novamente demandou estratégias de negociação e resiliência. No Equador, enfrentei o desafio de mediar conflitos com comunidades indígenas que não falavam nem Português nem Espanhol, o que tornou a comunicação ainda mais complexa.
Além disso, atuei em conflitos com sindicatos, grupos armados, prefeitos, militares e outras partes interessadas, em países como Venezuela, Peru, Argentina, República Dominicana e México. Cada uma dessas experiências contribuiu para minha especialização em negociações e conflitos coletivos.
Quais habilidades foram fundamentais nesses momentos?
As habilidades fundamentais nesses momentos foram a empatia, inteligência emocional, diplomacia e respeito pelas pessoas envolvidas, independentemente das circunstâncias. Ser um bom negociador vai além de técnicas e estratégias; é essencial entender as motivações humanas, criar um ambiente de confiança e buscar soluções que respeitem todas as partes. Aprendi que, em situações de alto risco, manter a serenidade e a capacidade de enxergar além do imediato é crucial para alcançar resultados positivos.
Como surgiu a oportunidade de se tornar cônsul honorário do Peru? E quais são suas principais atividades e responsabilidades nessa função em Belo Horizonte?
Após me aposentar, participei de uma reunião onde conheci o Embaixador do Peru e os Cônsules do Rio de Janeiro e São Paulo. Durante a conversa, mencionei minha experiência como negociador de conflitos coletivos na América Latina e que já estava aposentado. Eles se interessaram e pediram meu currículo. Pouco tempo depois, fui convidado para assumir o cargo de Cônsul Honorário do Peru em Minas Gerais. Aceitei o convite e, desde 2017, desempenho essa função com orgulho.Par ser Consul me parece que temos que ter paciência, diplomacia, respeitar as pessoas, ter boa percepção no sentido de integrar os países, a traves das culturas, negócios, musicas, turismo e mostrar a gastronomia do seu país.
O que o inspirou a escrever um livro sobre sua trajetória, especialmente o período das negociações? Como tem sido o processo de relembrar essas experiências e colocá-las no papel?
No Equador, durante meus estudos e trabalho, escrevi minha tese de Mestrado sobre “Negociações, Conflitos Coletivos e suas Intersubjetividades”. O foco era entender as dimensões subjetivas dos atores envolvidos na mesa de negociação, o que me motivou a ir além e relatar minha experiência prática em um livro. Decidi reunir os diversos casos que enfrentei ao longo da carreira nos nove países em que trabalhei, e agora o livro está em fase de conclusão.
O objetivo é oferecer um aporte significativo para as novas gerações e também para o mundo atual, que carece de negociadores preparados para lidar com conflitos coletivos. Enfatizo a importância de planejar, analisar os stakeholders e compreender as características e personalidades dos atores envolvidos nas negociações.
No livro, explico como muitas organizações e órgãos governamentais não possuem um departamento específico de Negociações e Conflitos Coletivos, composto por equipes multiprofissionais, algo que deveria ser implementado antes do início de grandes obras ou projetos. Espero que este trabalho inspire mudanças e contribua para um ambiente mais colaborativo e bem planejado no futuro.